segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A vingança do sabiá-pimenta



Primeiro veio Teo, um yorkshire obeso, meio esquisitinho. Tanto que, quando filhote, chegou mesmo a ser confundido com um gambá. Mas ele nem deu bola. Teo é sangue bom, tranquilão. Aos quatro anos de idade, no entanto, ele andava meio cabisbaixo, porque sua pantufa, companheira de tanto tempo, andava lhe tratando com certa indiferença, recusando-se, inclusive, a discutir a relação. Precisávamos fazer algo para melhorar seu astral.

Logo ao desembarcar no aeroporto JK, Kimi cativou a todos de imediato. Corpinho franzino, toda trêmula, olhar carente, como que implorando proteção. Olha, no início aquela branquelinha nos enganou direitinho… Mas logo percebemos o teatro. Aquela chihuahua tinha um ego proporcional a suas imensas orelhas. Um gato em corpo de cachorro, mais autocentrada que astro de banda de rock adolescente.

Kimi é uma palavra de origem japonesa, significando, dentre algumas variantes, “a mulher que se destaca”. Depois que se acostumou ao planalto central, então, Kimi vestiu a carapuça. Como bem poderia ter dito aquela cantora loira - que resolveu ressurgir das cinzas, de onde nunca deveria ter saído - em sua bizarra interpretação do hino nacional, Kimi é a própria “empáfia do colosso”: define a rotina de todos na casa, manipula como quer o cordato Teo e seu latido esganiçado, intenso e desafinado perturba todo o prédio e já motivou várias reclamações. Mas seu maior divertimento é, sem dúvida, infernizar a vida dos pássaros que disputam com ela os restos dos restos de comida que os mendigos largam nos gramados do Plano Piloto.

Diz a história que as asas de Brasília abrigavam, há algumas décadas, gangues de adolescentes - filhos de funcionários públicos da classe média-alta - que disputavam o domínio das superquadras da nova capital. Pois bem: de uns tempos pra cá, surgiu uma nova gangue no final da Asa Norte, formada por cerca de oito perigosos Black-headed Berryeaters. Calma, gente, não precisa trancar as criancinhas dentro de casa. Esse é apenas o nome científico de um pássaro conhecido como sabiá-pimenta. A questão é que esses até então pacatos cochós, cansados de serem maltratados pela temível cadela-vilã, resolveram se organizar e montaram uma tocaia no pé de cagaita – árvore típica do cerrado - localizado atrás do campinho de futebol próximo ao trajeto utilizado por Kimi e Teo em seu passeio vespertino.

O sol já se despedia do belo céu candango quando chega o momento da gangue do cerrado colocar seu plano em prática: quando Kimi aparece, saltitando feito uma gazela, eis que, do nada, surge a esquadrilha dos sabiás-pimenta, despejando perigosos rasantes sobre seu alvo. Após algumas investidas, um kamikaze mais afoito mergulha sobre a retaguarda da inimiga e bica sua cauda, momento em que a outrora valente perseguidora de bichinhos miúdos perde toda a sua pompa e, tremendo como todo chihuahua que se preza, solta um uivo fino e doído, saltando sobre o colo de sua “mãe” como que pedindo proteção, com seus chorosos olhos esbugalhados e o rabo entre as pernas. O sereno Teo assiste a tudo, impassível.

Missão cumprida, a revoada retorna à base, entoando sua monossilábica sinfonia da vitória.

O ocorrido, testemunhado por algumas pessoas que transitavam no local, tem sido muito comentado na sociedade brasiliense. Alguns céticos atribuem o fato única e exclusivamente à notória semelhança entre o rabicó de nossa heroína e alguns anelídeos, também conhecidos como minhocas, alimento preferido dos sabiás-pimenta. Santa ignorância…