Acaba de entrar no circuito um
filme sobre Bobby Fischer, que muitos consideram o melhor enxadrista de todos
os tempos.
O título do filme em português é
“O Dono do Jogo”. Pra variar, uma tradução inadequada. O original Pawn Sacrifice – Sacrifício do Peão – é
muito mais adequado, pois além de ser um termo utilizado no xadrez, remete à
mente atormentada do protagonista.
Fischer foi fenomenal, mas
pessoalmente considero o azéri (gentílico de quem nasce no Azerbaijão) Kasparov
um jogador mais completo. Além disso, ao contrário do americano – anti-social,
que não tinha outro interesse além do xadrez, cheio de manias e esquisitices –
Gary era um cara normal, até onde um campeão mundial de xadrez pode sê-lo. Pra
quem não lembra, ele é aquele que protagonizou uma polêmica e
eletrizante série contra Deep Blue, o enxadrista dos bits e bytes.
O escritor David Shenk sintetizou
com simplicidade e precisão a genialidade de Fischer: “Um bom jogador de xadrez
é paranoico no tabuleiro, mas essa paranoia na vida real não funciona muito
bem."
No match de 1972 – a trama
central do filme – Fischer e Spassky disputaram muito mais que um campeonato
esportivo. O duelo era uma extensão da guerra fria entre EUA e URSS. O
soviético é pintado como o vilão da história, mas teve a grandeza de aplaudir
de pé a grande vitória do americano no sexto confronto da série. Um gesto
semelhante do vaidoso Bobby Fisher seria algo impensável.
Essa partida, a mais brilhante
dos 20 confrontos – seriam 24, mas Fischer não compareceu ao segundo jogo e os
três últimos não foram necessários, pois após o 21º o americano definiu a série
em 12,5 x 8,5 – é considerada por alguns a melhor partida da história. Outros
defendem que Fischer derrotou Spassky já no primeiro lance, ao abrir o jogo com
o gambito da dama (avanço do peão do bispo). Até então, sempre que jogava de
brancas o maluco yankee iniciava invariavelmente com o peão do rei. Essa
abertura diferente desestruturou psicologicamente Boris Spassky.
Para fins didáticos, no entanto, uma
partida em particular sintetiza toda a beleza do jogo. A “partida imortal” foi
um simples amistoso disputado em 1851 por Anderssen e Kieseritzky, vencida pelo
prussiano após entregar suas peças mais poderosas - um bispo, as duas torres e,
por fim, a dama. Enquanto o adversário preocupava-se em preservar seu exército
e obter vantagem material, Anderssen venceu utilizando três peças “fracas”: um
bispo e dois cavalos (ver imagem ao final).
Voltando ao protagonista de Pawn
Sacrifice, após o título mundial de 1972 com apenas 29 anos de idade, Fischer
nunca mais tomou rumo na vida. Em 1975, suas maluquices impediram nova disputa
pelo título contra outro grande jogador: Anatoly Karpov. Vinte anos depois,
Fischer e Spassky se enfrentaram novamente. Com a saúde debilitada, mais uma
vez Boris não foi páreo para Bobby. Mas os dois já não tinham a mesma
vitalidade.
Os desvios psiquiátricos e a
obsessão de Bobby Fischer explicam em parte seu assombroso talento para o
xadrez, assim como a Síndrome de Asperger – um tipo de autismo – conferem ainda
mais eficiência ao genial argentino Lionel Messi no futebol.
Pra finalizar, selecionei três
imagens que, pra mim, expressam toda a beleza do xadrez, um esporte com bilhões de
alternativas.
Figura 1: O mate imortal de
Anderssen.
Figura 2: as pretas têm seu
exército completo. Mas as brancas vencem!
Figura 3: As brancas liquidam o jogo com
apenas um lance. Simples. Mas muitos não conseguem enxergar a solução.