terça-feira, 3 de maio de 2016

Pawn Sacrifice



 
Acaba de entrar no circuito um filme sobre Bobby Fischer, que muitos consideram o melhor enxadrista de todos os tempos.

O título do filme em português é “O Dono do Jogo”. Pra variar, uma tradução inadequada. O original Pawn Sacrifice – Sacrifício do Peão – é muito mais adequado, pois além de ser um termo utilizado no xadrez, remete à mente atormentada do protagonista.

Fischer foi fenomenal, mas pessoalmente considero o azéri (gentílico de quem nasce no Azerbaijão) Kasparov um jogador mais completo. Além disso, ao contrário do americano – anti-social, que não tinha outro interesse além do xadrez, cheio de manias e esquisitices – Gary era um cara normal, até onde um campeão mundial de xadrez pode sê-lo. Pra quem não lembra, ele é aquele que protagonizou uma polêmica e eletrizante série contra Deep Blue, o enxadrista dos bits e bytes.

O escritor David Shenk sintetizou com simplicidade e precisão a genialidade de Fischer: “Um bom jogador de xadrez é paranoico no tabuleiro, mas essa paranoia na vida real não funciona muito bem."

No match de 1972 – a trama central do filme – Fischer e Spassky disputaram muito mais que um campeonato esportivo. O duelo era uma extensão da guerra fria entre EUA e URSS. O soviético é pintado como o vilão da história, mas teve a grandeza de aplaudir de pé a grande vitória do americano no sexto confronto da série. Um gesto semelhante do vaidoso Bobby Fisher seria algo impensável.   

Essa partida, a mais brilhante dos 20 confrontos – seriam 24, mas Fischer não compareceu ao segundo jogo e os três últimos não foram necessários, pois após o 21º o americano definiu a série em 12,5 x 8,5 – é considerada por alguns a melhor partida da história. Outros defendem que Fischer derrotou Spassky já no primeiro lance, ao abrir o jogo com o gambito da dama (avanço do peão do bispo). Até então, sempre que jogava de brancas o maluco yankee iniciava invariavelmente com o peão do rei. Essa abertura diferente desestruturou psicologicamente Boris Spassky.        

Para fins didáticos, no entanto, uma partida em particular sintetiza toda a beleza do jogo. A “partida imortal” foi um simples amistoso disputado em 1851 por Anderssen e Kieseritzky, vencida pelo prussiano após entregar suas peças mais poderosas - um bispo, as duas torres e, por fim, a dama. Enquanto o adversário preocupava-se em preservar seu exército e obter vantagem material, Anderssen venceu utilizando três peças “fracas”: um bispo e dois cavalos (ver imagem ao final).

Voltando ao protagonista de Pawn Sacrifice, após o título mundial de 1972 com apenas 29 anos de idade, Fischer nunca mais tomou rumo na vida. Em 1975, suas maluquices impediram nova disputa pelo título contra outro grande jogador: Anatoly Karpov. Vinte anos depois, Fischer e Spassky se enfrentaram novamente. Com a saúde debilitada, mais uma vez Boris não foi páreo para Bobby. Mas os dois já não tinham a mesma vitalidade.

Os desvios psiquiátricos e a obsessão de Bobby Fischer explicam em parte seu assombroso talento para o xadrez, assim como a Síndrome de Asperger – um tipo de autismo – conferem ainda mais eficiência ao genial argentino Lionel Messi no futebol. 

Pra finalizar, selecionei três imagens que, pra mim, expressam toda a beleza do xadrez, um esporte com bilhões de alternativas.

   
Figura 1: O mate imortal de Anderssen.

 
Figura 2: as pretas têm seu exército completo. Mas as brancas vencem!


 Figura 3: As brancas liquidam o jogo com apenas um lance. Simples. Mas muitos não conseguem enxergar a solução.