Há algum tempo estou para
escrever sobre o momento delicado que o país atravessa, sacudido por
manifestações populares, com uma lista quase interminável de reivindicações.
De tanto demorar, o assunto
caducou, até porque já se falou demais sobre isso, sob todas as óticas
possíveis.
Mas, esses dias, conversando com
um grande amigo e sobrinho, acerca da questão dos médicos cubanos, o assunto me
voltou à mente, sob algumas perspectivas diferentes.
A primeira é que percebi
claramente que a minha procrastinação estava relacionada a uma questão física:
sempre que eu pensava no tema, ele sugava todas as minhas energias, pois de
forma meio subliminar – mas agora muito claramente – de alguma forma eu percebia estarmos
diante de vários problemas praticamente sem solução.
Comecemos pela questão da saúde.
Esse meu querido sobrinho é um jovem médico, vibrante, engajado, extremamente esclarecido,
que já sofreu na pele todo o contexto da penúria da saúde pública no Brasil.
Pedi sua opinião sobre a proposta
do governo em relação aos médicos estrangeiros. Ele me contextualizou e,
coerente como é, me passou alguns links com outras opiniões, tanto da sua área
quanto de outros segmentos da sociedade.
Bem, sem me aprofundar na
proposta em si, até porque já se falou disso além da conta, a questão é:
digamos que o governo reformulasse sua pauta, exigindo dos médicos estrangeiros
a validação de seus diplomas segundo o CFM (Conselho Federal de Medicina),
definisse uma carreira para profissionais da área no setor público (por que um
médico trabalha com contratos temporários e ou mesmo verbais com o prefeito? Um
juiz ou um promotor faz o mesmo? Qual a diferença fundamental entre os dois?),
destinasse mais verbas para a saúde, determinasse a construção de novos
hospitais, compra de remédios, etc, etc, minha opinião é: NÃO FUNCIONARIA. TUDO
CONTINUARIA NA MESMA, OU PIOR.
Apenas para jogar lenha na fogueira (O Ronaldo já misturou os assuntos e deu no que deu...), o problema dos estádios da copa, foi dinheiro de menos? Ou dinheiro demais?
Apenas para jogar lenha na fogueira (O Ronaldo já misturou os assuntos e deu no que deu...), o problema dos estádios da copa, foi dinheiro de menos? Ou dinheiro demais?
Porque a questão fundamental é:
não temos gestão, seriedade de propósitos, continuidade. Nossas instituições
estão corrompidas de uma forma muito mais profunda do que imaginamos. E por
mais que ocorram algumas boas iniciativas aqui e lá, estas geralmente ocorrem
por espasmos.
Uma das piores atitudes do
governo tão logo o povo foi às ruas exigir seus R$ 0,20 de volta, foi ir à TV e
revogar incondicional e linearmente todos os aumentos de passagens, dando uma
demonstração, ao mesmo tempo, de fraqueza, submissão, falta de planejamento e
administração por espasmo.
O que poderia ter feito? Se houve
alguma lógica na atribuição do aumento, um ou outro poderia ter sido revertido,
outro revisto para R$ 0,10, sei lá, e outros mantidos, com as devidas
justificativas. Mas não. Da forma que foi feito, a percepção é que ele
realmente foi desnecessário. Será que algum dia a população aceitará
pacificamente qualquer aumento no preço da gasolina?
Na década de 1980, bancário no
interior de Pernambuco, percebi que a população da pequena cidade onde eu
trabalhava aceitava sem questionamento os desmandos do grupo dominante. E, mais
que isso, entendia como lícita a apropriação do FPM (Fundo de Participação dos
Municípios) e do patrimônio público em geral por parte do prefeito. Quando a
situação chega a esse nível, fica difícil mudar alguma coisa.
Não conheço tantos países assim,
mas creio que a grande maioria tem sua parcela de políticos corruptos. No entanto,
aceitar, como no Brasil, a perpetuação de figuras reconhecidamente
inescrupulosas em cargos-chave dos poderes, notadamente no legislativo, é uma
afronta à sociedade.
Além disso, uma grande, imensa
parcela da população que marcha contra a corrupção, é contra apenas a corrupção
alheia. Que o digam as suas atitudes do cotidiano.
Voltando à questão das
manifestações: as atitudes coletivas são importantíssimas, fundamentais, aliás.
Mas a postura individual e, mais que isso, a “ralação” do dia-a-dia é que pode
resolver alguma coisa. Uma amiga, professora universitária, contou o seguinte
diálogo que teve com o filho, de 23 anos:
- Mãe, tô indo pra manifestação
na praça!
- A favor de que?
- Não sei bem, mas precisamos
mudar o Brasil.
- Quer mudar o Brasil? Arranje um
emprego, trabalhe duro, ajude quem precisa. Faça a sua parte. Se sobrar tempo,
vá às manifestações, sabendo, pelo menos, do que se trata.
É por aí.
De qualquer forma, se nem no
ponto de partida consegue-se alguma coerência, fica difícil imaginar algum
avanço. Voltando à delicada questão da saúde:a comunidade médica não foi
ouvida, o serviço obrigatório no SUS cheira a trabalho escravo, o estudante de
medicina, já tão sobrecarregado, precisará de pelo menos uma década pra se
preparar para o mercado. Nada contra, se outras categorias mais privilegiadas
não tivessem que trabalhar tão pouco, como aquela leva que
zarpa de Brasília às quintas-feiras.
O país assemelha-se a uma nau sem rumo, chegando a uma perigosa encruzilhada.