sexta-feira, 19 de julho de 2013

Nau Sem Rumo

Há algum tempo estou para escrever sobre o momento delicado que o país atravessa, sacudido por manifestações populares, com uma lista quase interminável de reivindicações.
De tanto demorar, o assunto caducou, até porque já se falou demais sobre isso, sob todas as óticas possíveis.

Mas, esses dias, conversando com um grande amigo e sobrinho, acerca da questão dos médicos cubanos, o assunto me voltou à mente, sob algumas perspectivas diferentes.

A primeira é que percebi claramente que a minha procrastinação estava relacionada a uma questão física: sempre que eu pensava no tema, ele sugava todas as minhas energias, pois de forma meio subliminar – mas agora muito claramente – de alguma forma eu percebia estarmos diante de vários problemas praticamente sem solução.

Comecemos pela questão da saúde. Esse meu querido sobrinho é um jovem médico, vibrante, engajado, extremamente esclarecido, que já sofreu na pele todo o contexto da penúria da saúde pública no Brasil.

Pedi sua opinião sobre a proposta do governo em relação aos médicos estrangeiros. Ele me contextualizou e, coerente como é, me passou alguns links com outras opiniões, tanto da sua área quanto de outros segmentos da sociedade.

Bem, sem me aprofundar na proposta em si, até porque já se falou disso além da conta, a questão é: digamos que o governo reformulasse sua pauta, exigindo dos médicos estrangeiros a validação de seus diplomas segundo o CFM (Conselho Federal de Medicina), definisse uma carreira para profissionais da área no setor público (por que um médico trabalha com contratos temporários e ou mesmo verbais com o prefeito? Um juiz ou um promotor faz o mesmo? Qual a diferença fundamental entre os dois?), destinasse mais verbas para a saúde, determinasse a construção de novos hospitais, compra de remédios, etc, etc, minha opinião é: NÃO FUNCIONARIA. TUDO CONTINUARIA NA MESMA, OU PIOR.

Apenas para jogar lenha na fogueira (O Ronaldo já misturou os assuntos e deu no que deu...), o problema dos estádios da copa, foi dinheiro de menos? Ou dinheiro demais?

Porque a questão fundamental é: não temos gestão, seriedade de propósitos, continuidade. Nossas instituições estão corrompidas de uma forma muito mais profunda do que imaginamos. E por mais que ocorram algumas boas iniciativas aqui e lá, estas geralmente ocorrem por espasmos.

Uma das piores atitudes do governo tão logo o povo foi às ruas exigir seus R$ 0,20 de volta, foi ir à TV e revogar incondicional e linearmente todos os aumentos de passagens, dando uma demonstração, ao mesmo tempo, de fraqueza, submissão, falta de planejamento e administração por espasmo.

O que poderia ter feito? Se houve alguma lógica na atribuição do aumento, um ou outro poderia ter sido revertido, outro revisto para R$ 0,10, sei lá, e outros mantidos, com as devidas justificativas. Mas não. Da forma que foi feito, a percepção é que ele realmente foi desnecessário. Será que algum dia a população aceitará pacificamente qualquer aumento no preço da gasolina?

Na década de 1980, bancário no interior de Pernambuco, percebi que a população da pequena cidade onde eu trabalhava aceitava sem questionamento os desmandos do grupo dominante. E, mais que isso, entendia como lícita a apropriação do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e do patrimônio público em geral por parte do prefeito. Quando a situação chega a esse nível, fica difícil mudar alguma coisa.

Não conheço tantos países assim, mas creio que a grande maioria tem sua parcela de políticos corruptos. No entanto, aceitar, como no Brasil, a perpetuação de figuras reconhecidamente inescrupulosas em cargos-chave dos poderes, notadamente no legislativo, é uma afronta à sociedade.

Além disso, uma grande, imensa parcela da população que marcha contra a corrupção, é contra apenas a corrupção alheia. Que o digam as suas atitudes do cotidiano.

Voltando à questão das manifestações: as atitudes coletivas são importantíssimas, fundamentais, aliás. Mas a postura individual e, mais que isso, a “ralação” do dia-a-dia é que pode resolver alguma coisa. Uma amiga, professora universitária, contou o seguinte diálogo que teve com o filho, de 23 anos:
- Mãe, tô indo pra manifestação na praça!
- A favor de que?
- Não sei bem, mas precisamos mudar o Brasil.
- Quer mudar o Brasil? Arranje um emprego, trabalhe duro, ajude quem precisa. Faça a sua parte. Se sobrar tempo, vá às manifestações, sabendo, pelo menos, do que se trata.

É por aí.

De qualquer forma, se nem no ponto de partida consegue-se alguma coerência, fica difícil imaginar algum avanço. Voltando à delicada questão da saúde:a comunidade médica não foi ouvida, o serviço obrigatório no SUS cheira a trabalho escravo, o estudante de medicina, já tão sobrecarregado, precisará de pelo menos uma década pra se preparar para o mercado. Nada contra, se outras categorias mais privilegiadas não tivessem que trabalhar tão pouco, como aquela leva que zarpa de Brasília às quintas-feiras.

O país assemelha-se a uma nau sem rumo, chegando a uma perigosa encruzilhada.