domingo, 6 de novembro de 2016

Simplicidade II


A long time ago, após desenvolver, juntamente com minha equipe, um aplicativo de cadastro da rede externa do BB, fui convidado para apresentar a solução em uma agência do Banco no exterior. Chegando lá, após as devidas apresentações, posicionamo-nos todos à frente de um terminal – analistas de TI, representantes da Diretoria Internacional, gerente da agência... umas 12 pessoas.

Fiz o login no sistema e caí na tela inicial. Mal deu tempo de terminar de digitar a senha e um hermano, funcionário da agência, já fuzilou:

- ¡Espera! Vienes de Brasil muéstrame una solución y su pantalla está en ?? portugués !!
- Ih!! É mesmo! Vou ter que voltar e refazer a aplicação!
Mal estar generalizado...
Completei:
- Só pra gente não perder a viagem, o senhor pode entrar no aplicativo e fazer uns testes básicos de navegação?
Visivelmente contrariado, o reclamão sentou ao terminal e, resmungando uns monossílabos ininteligíveis, digitou furiosamente o login. Qual não foi sua surpresa ao perceber que sua tela inicial era toda em castelhano.
Descontração total.
Na realidade, eu apenas havia feito um teatro para gerar um impacto em todos, naquela gelada manhã em Buenos Aires. Um quebra-gelo, que, obviamente, me gerou uma admoestação ao voltar ao Brasil, quando meu chefe soube da história.
A aplicação, na realidade, era adaptável ao idioma do usuário. Funcionava mais ou menos assim: o funcionário digitava suas credenciais, o sistema interfaceava com a base de RH, validava o acesso, identificava a dependência de lotação do usuário, o país dessa dependência e o respectivo idioma que se falava naquele país.

O ambiente, então, carregava internamente uma variável de idioma que era utilizada para gerenciar as informações apresentadas.

As opções de idioma, no caso, se resumiam a português, inglês e espanhol. Não se esperasse ver caracteres hiragana ou katakana ao utilizar o sistema em Tóquio, por exemplo. 

Tínhamos, portanto, nossas limitações, mas que atendiam perfeitamente as especificações do demandante. A tecnologia também não era a mais avançada – terminal preto, 3270, linguagem Natural, e por aí vai...
A codificação era limpa, e não tinha praticamente nenhuma estrutura interna de decisão, tipo ninho de IFs ou coisa semelhante.
Após identificar o idioma nativo do usuário – que poderia ser alterado, conforme sua vontade – o sistema carregava uma variável do Natural e a utilizava em vários contextos.
Para carregar a tela – os famosos mapas – a instrução era simplesmente:
INPUT USING MAP “MCEM010&”.
O último caractere no nome do mapa era uma variável da própria linguagem, correspondente ao idioma que carregamos lá no login. O aplicativo, portanto, carregava dinamicamente o componente adequado àquele contexto. Outros artifícios foram utilizadas para gerenciar mensagens para o usuário e acesso a informações parametrizadas em banco de dados, mas sempre baseado no mesmo princípio.
Tudo muito simples. Mas muito eficaz.   
Isso faz muito tempo, mas a opção 7 do aplicativo CLIENTES continua lá, firme e forte!
Em tecnologia, assim como no nosso dia-a-dia, temos, às vezes, a incrível capacidade de complicar o que é simples.
Como esse episódio se passou em Buenos Aires, não há como não lembrar de Francisco, um certo argentino que vem conquistando a todos com sua simplicidade...

sábado, 25 de junho de 2016

Vitória da Intolerância




Desunião Europeia: o Reino Unido abandona o barco

Um dia antes, o clima era de euforia. As pesquisas indicavam vitória do Bremain. Os mercados operavam em alta e parecia que tudo ia ficar na mesma.

Veio o plebiscito. E a surpresa.

Sabia-se que o resultado seria apertado. Tudo indicava que o bom senso iria prevalecer. Mas não. O Brexit – um acrônimo para British Exit, ou saída da Grã-Bretanha da União Europeia – ganhou. O termo é uma adaptação do Grexit, de 2012, quando se cogitou a saída da Grécia da zona do euro.  

O placar de 52 a 48 soou como um 7 a 1. A Europa, como de resto o mundo inteiro, se sentiu como o Brasil no Mineiraço. Atônita, desorientada.

A União Europeia ainda conta com 27 países – e outros, como a Turquia, permanecem negociando sua entrada – mas a saída da Grã-Bretanha não é uma perda qualquer. O país é a quinta economia do mundo, e a segunda da Europa, atrás apenas da Alemanha. Além disso, essa saída pode desencadear movimentos semelhantes de outras nações. Itália, Holanda, Suécia, Eslováquia e Dinamarca, dentre outros, têm movimentos separatistas, que podem ganhar mais força a partir de agora. Até na França, grupos ultradireitistas falam em abandonar o barco também.

O parlamento europeu já sinalizou que quer os britânicos fora o quanto antes, e devem jogar duro, com sanções que desestimulem outras iniciativas do gênero.

O Reino Unido é formado por Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte – a outra Irlanda, da capital Dublin, é independente. Certamente o resultado do plebiscito terá consequências nessa composição. O primeiro-ministro Cameron anunciou sua renúncia, e movimentos separatistas devem recrudescer. A Escócia majoritariamente votou contra a saída, e a forma mais abreviada de retornar é sua separação do Reino.  

A única – e pífia – vantagem da saída do Reino Unido da EU é que viajar para lá deve ficar mais barato. Londres é a capital mais cara da Europa. A cotação da libra – eles nunca adotaram o Euro – despencou logo após a derrota do Bremain.

Ainda não estão claras todas as consequências desse evento, mas certamente a vida dos imigrantes no país da rainha Elisabeth II não será fácil.

Já se fala em novo plebiscito. Mas a chance de reversão é mínima.

Uma vitória da intolerância, do egoísmo.  

terça-feira, 3 de maio de 2016

Pawn Sacrifice



 
Acaba de entrar no circuito um filme sobre Bobby Fischer, que muitos consideram o melhor enxadrista de todos os tempos.

O título do filme em português é “O Dono do Jogo”. Pra variar, uma tradução inadequada. O original Pawn Sacrifice – Sacrifício do Peão – é muito mais adequado, pois além de ser um termo utilizado no xadrez, remete à mente atormentada do protagonista.

Fischer foi fenomenal, mas pessoalmente considero o azéri (gentílico de quem nasce no Azerbaijão) Kasparov um jogador mais completo. Além disso, ao contrário do americano – anti-social, que não tinha outro interesse além do xadrez, cheio de manias e esquisitices – Gary era um cara normal, até onde um campeão mundial de xadrez pode sê-lo. Pra quem não lembra, ele é aquele que protagonizou uma polêmica e eletrizante série contra Deep Blue, o enxadrista dos bits e bytes.

O escritor David Shenk sintetizou com simplicidade e precisão a genialidade de Fischer: “Um bom jogador de xadrez é paranoico no tabuleiro, mas essa paranoia na vida real não funciona muito bem."

No match de 1972 – a trama central do filme – Fischer e Spassky disputaram muito mais que um campeonato esportivo. O duelo era uma extensão da guerra fria entre EUA e URSS. O soviético é pintado como o vilão da história, mas teve a grandeza de aplaudir de pé a grande vitória do americano no sexto confronto da série. Um gesto semelhante do vaidoso Bobby Fisher seria algo impensável.   

Essa partida, a mais brilhante dos 20 confrontos – seriam 24, mas Fischer não compareceu ao segundo jogo e os três últimos não foram necessários, pois após o 21º o americano definiu a série em 12,5 x 8,5 – é considerada por alguns a melhor partida da história. Outros defendem que Fischer derrotou Spassky já no primeiro lance, ao abrir o jogo com o gambito da dama (avanço do peão do bispo). Até então, sempre que jogava de brancas o maluco yankee iniciava invariavelmente com o peão do rei. Essa abertura diferente desestruturou psicologicamente Boris Spassky.        

Para fins didáticos, no entanto, uma partida em particular sintetiza toda a beleza do jogo. A “partida imortal” foi um simples amistoso disputado em 1851 por Anderssen e Kieseritzky, vencida pelo prussiano após entregar suas peças mais poderosas - um bispo, as duas torres e, por fim, a dama. Enquanto o adversário preocupava-se em preservar seu exército e obter vantagem material, Anderssen venceu utilizando três peças “fracas”: um bispo e dois cavalos (ver imagem ao final).

Voltando ao protagonista de Pawn Sacrifice, após o título mundial de 1972 com apenas 29 anos de idade, Fischer nunca mais tomou rumo na vida. Em 1975, suas maluquices impediram nova disputa pelo título contra outro grande jogador: Anatoly Karpov. Vinte anos depois, Fischer e Spassky se enfrentaram novamente. Com a saúde debilitada, mais uma vez Boris não foi páreo para Bobby. Mas os dois já não tinham a mesma vitalidade.

Os desvios psiquiátricos e a obsessão de Bobby Fischer explicam em parte seu assombroso talento para o xadrez, assim como a Síndrome de Asperger – um tipo de autismo – conferem ainda mais eficiência ao genial argentino Lionel Messi no futebol. 

Pra finalizar, selecionei três imagens que, pra mim, expressam toda a beleza do xadrez, um esporte com bilhões de alternativas.

   
Figura 1: O mate imortal de Anderssen.

 
Figura 2: as pretas têm seu exército completo. Mas as brancas vencem!


 Figura 3: As brancas liquidam o jogo com apenas um lance. Simples. Mas muitos não conseguem enxergar a solução.