quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A Papisa


No mundo corporativo, quando algo precisa de uma alçada muito alta de decisão, não é raro o uso da expressão “precisamos da assinatura de dois papas vivos”. Pois bem. Nos últimos dias, a assinatura de um único Papa já não é algo muito fácil de se obter.

A renúncia do Papa Bento XVI pegou muita gente de surpresa, pois há séculos – desde Gregório XII, em 1.415 – isso não ocorria na Igreja. Cogitou-se várias possíveis motivações para a renúncia, diferentes da divulgada: saúde debilitada e idade avançada. Resgatou-se até seu passado na juventude hitlerista. Uma grande bobagem, até porque Bento XVI – novamente Ratizinger a partir deste 28 de fevereiro – sempre falou sem reservas sobre o assunto. Na sua adolescência bávara dos anos 1940, em plena segunda guerra mundial, isso era obrigatório e questão de sobrevivência.

Vamos, pois, lembrar aqui de um fato polêmico – para muitos estudiosos, apenas uma lenda: a história da Papisa Joana, a única mulher a governar a Igreja Católica em toda a sua existência.

Pesquisei um pouco e encontrei várias versões sobre o assunto. Vamos tentar fazer uma compilação, seguindo a linha que parece ser a mais coerente.

Joana teria sido uma jovem alemã (sempre eles) extremamente culta e estudiosa, que resolveu passar-se por homem para adentrar em um mosteiro (não se sabe ao certo se por sua sede de conhecimento ou em razão de seu envolvimento com um monge) sem despertar suspeitas.

Sua inteligência a fez destacar-se como cardeal. Com a morte do papa Leão IV, no século IX, foi eleita por unanimidade sua substituta, adotando o nome de João VIII.

Seu pontificado teria sido bastante positivo, mas uma gravidez provocou um desfecho inesperado na história. As largas vestes de Papisa permitiram a Joana esconder sua condição durante meses, mas ela acabou por dar à luz seu bebê durante uma procissão, em meio a uma multidão perplexa e indignada.

Não há consenso sobre a sequência da história. Na versão mais aceita, Joana e seu filho teriam sido apedrejados até a morte; em outra, teria morrido por complicações do parto; em mais uma, a igreja teria transformado o fato em um milagre, e a Papisa se enclausurado para sempre.

Outras possibilidades: a lenda da Papisa Joana teria sido criada pelos ortodoxos, de forma a desmoralizar a igreja rival; Joana, na realidade, teria sido um eunuco, rotulado de forma jocosa como mulher.

Historiadores afirmam que alguns episódios reforçam a tese da existência da Papisa nos anos 850:
  1. a partir do século IX foi instituído um exame táctil para atestar que cada novo Papa era, de fato, do sexo masculino. Esse procedimento foi abolido apenas no século XIX;
  2. no século XIII, o Papa João XX teria alterado seu nome para João XXI, reconhecendo um João “omitido” na relação de Papas da Igreja.

Aos cinéfilos, há pelo menos dois filmes sobre o tema, ambos germânicos: Pope Joan (1972) e Die Päpstin (2009).

História ou lenda? Os fatos aqui narrados podem ser verdadeiros, ou não. 

Particularmente, acredito que a Papisa Joana existiu, o que, por si, não pesa a favor nem contra a igreja católica. É apenas história. 

Falar de religião, de fé – ou mesmo da falta dela – é sempre um assunto delicado. Conheço muita gente boa – outras nem tanto – de tudo o que é religião e crença: católicos, evangélicos, espíritas, ateus... E acredito que o fundamental é tolerância e respeito às convicções de cada um, sem sectarismo.



P.S. Pérola na Wikipedia. O último Papa com o mesmo nome de Bento XVI foi Bento XV. Ah, bom... 



domingo, 24 de fevereiro de 2013

Quando o futebol é o que menos importa


Algumas horas antes de San Jose x Corínthians, na Bolívia, pelo Grupo 5 da Copa Libertadores, a delegação brasileira deixa Cochabamba com destino a Oruro, local da partida, distante 210 km, mesmo percurso realizado por Kevin Beltrán e sua família. 

Torcedor fanático, o garoto não perderia por nada o embate do seu time contra o campeão do mundo.



O San José não é exatamente uma potência , nem mesmo em se tratando do decadente futebol boliviano, atualmente o mais fraco da América do Sul. 

Com dois títulos nacionais em sua história, as grandes armas da equipe são os 3.702 metros de altitude do estádio Jesús Bermúdez e o seu torcedor número 1, o Presidente Evo Morales.

Seja em um país paupérrimo, como a Bolívia, seja no Brasil (vide Lula/Corínthians), seja na Itália (Milan/Berlusconi), o fato é que ter um padrinho forte faz uma faz baita diferença...

Conta-se no país andino que o Presidente da República prometeu doar US$ 500 mil ao San Jose. Ocorre que seu irmão Hugo perdeu as eleições para comandar o clube, Evo magoou e até hoje ningué viu a cor do dinheiro. Lá como cá, é assim que as coisas funcionam.

Bem, voltando à história inicial: fim de jogo, empate em 1 a 1, gol corintiano do peruano Guerrero – sempre ele – o herói da conquista do titulo mundial contra o Chelsea.

Mas o que menos importava era o resultado do jogo. Na comemoração do gol, um torcedor brasileiro disparou das arquibancadas do acanhado estádio local um  sinalizador (desses que se usa em navios) contra a torcida boliviana. 

O projétil cilíndrico de cerca de 20 cm percorreu 40 metros. O jovem Jonathan Beltrán sentiu apenas uma rajada de vento arrancando seu gorro. Ao olhar para o lado, já viu seu primo Kevin, de apenas 14 anos, estendido sobre a grade, fulminado com o artefato plástico alojado em seu olho esquerdo. Causa do óbito: traumatismo craniano.

Doze brasileiros foram presos pela polícia local, suspeitos da autoria do crime. Passados alguns dias, as investigações apontavam para dois possíveis autores, de 21 e 24 anos de idade.



Neste domingo, uma reviravolta. A Gaviões da Fiel, torcida organizada de histórico pouco abonador, identificou o autor do disparo fatal: um funcionário da agremiação, de 17 anos. O adolescente vai confessar e, por ser menor de idade, não poderá ser responsabilizado pelo crime.

Muito cômodo. E prático. Até porque, o curioso – e bota curioso nisso – é que o adolescente que vai assumir tudo encontra-se no Brasil, livre, leve e solto, e não faz parte do grupo original dos doze suspeitos que permanecem retidos na Penitenciária boliviana de San Pedro.

Muito estranho. Mas não surpreendente. É bom lembrar que se o rapaz tivesse falado isso em território boliviano ele estaria bem enrascado, visto que lá a maioridade ocorre aos 16 anos. A Gaviões realmente pensou em tudo.

Desnecessário lembrar que o lamentável episódio poderia ter ocorrido com a torcida de qualquer clube brasileiro. Afinal, todos têm sua parcela – felizmente uma minoria – de marginais.

Mas bem que a diretoria poderia parar de falar bobagem, especialmente o presidente Mário Gobbi, que, aliás, é advogado. Ele é contra qualquer punição para o timão. Ou seja: jogar latinha em campo não pode, o time perde o mando de campo. Apontar um morteiro contra a torcida adversária é uma fatalidade, não merece punição. 

A questão é financeira. O Corínthians deve mandar todos os seus jogos na competição com portões fechados, o que significará um imenso prejuízo financeiro. Convenhamos, dado o contexto, isso não tem a menor importância.

Quarta-feira. Kevin chega ao Estádio de Oruro para ver o campeão do mundo jogar.

Domingo. Os pais de Kevin chegam ao cemitério de Cochabamba para ver a pessoa mais importante do mundo partir.

Solidarizemo-nos com sua dor.