Estava chegando aos setenta e seis. Sentia-se ligeiramente melhor que nas últimas semanas. Os males da velhice incomodavam um pouco menos. Não deu muita atenção ao fato, mas, à medida que o tempo passava, a sensação de rejuvenescimento aumentava.
Passados
alguns meses, percebeu que personificava a ficção de F. Scott Fitzgerald: a
reversão do tempo. As mudanças físicas foram ficando evidentes. Ao perceber que
começara a despertar a curiosidade dos moradores da cidade onde morava,
resolveu mudar para onde ninguém o conhecesse. Sozinho como era, nada o prendia
a lugar nenhum.
As
transformações se aceleraram. As sensações oscilavam entre o espanto e a
euforia. Era extasiante desfrutar, ainda com o viço da juventude, da
experiência adquirida nos diversos ciclos de sua existência.
Com
o passar dos anos, voltou à adolescência e, mais ou menos à época em que
começou a pensar em como seria a sua morte – Benjamin Buttom morreu ao nascer –
o relógio do tempo inverteu novamente. Voltava a envelhecer.
Assim
se passaram anos, décadas. O relógio do tempo não mais era uma ampulheta, mas
um pêndulo. Juventude, maturidade, velhice, novamente maturidade, juventude...
Talvez
ficasse assim pra sempre.
Não
estabelecia vínculos. Qualquer ameaça disso ocorrer o fazia mudar novamente, sumir
do mapa, cada vez para mais longe.
Outra
consequência desse estranho ir e vir: desenvolvera uma percepção aguçada das
pessoas. A natureza humana não mais era um mistério. Mas esse conhecimento, inicialmente
prazeroso, de repente passou a incomodar. No início, muito levemente. Com o
passar do tempo – ah, o tempo... invenção da morte, como diria Mário Quintana –
o lado obscuro das pessoas passou a lhe atormentar mais e mais.
Já
não conseguia esconder o incômodo ao mínimo contato com alguém. Identificava
facilmente todos os males da alma: a falta de caráter, de ética, de
solidariedade; as atitudes em benefício próprio; a corrupção intrínseca,
presente na imensa maioria dos indivíduos; comportamentos que atingiam um nível
patológico. Psicopatas, incapazes de sentir remorso.
O
que mais o exasperava era a constatação de que nada havia a ser feito. As
pessoas simplesmente não tinham dentro de si valores básicos e fundamentais
para a convivência em sociedade.
Aquilo
foi tomando uma dimensão incontrolável. Não via mais nenhuma vantagem na sua
condição. A imortalidade já não era um bônus, mas um imenso ônus. O
conhecimento só causava dor. Nada mais fazia sentido.
Andou
a esmo pelas ruas e se viu em frente ao maior prédio da cidade. Subiu ao último
andar, onde havia um restaurante panorâmico, quase vazio àquela hora. Sentou.
Pediu uma água mineral. Sorveu cada gole com estranha satisfação.
Pagou
a conta, aguardando pacientemente o garçom retornar com o troco, conferido
meticulosamente. Dirigiu-se à janela mais próxima. Observou a minúscula e frenética
movimentação de carros e pedestres lá embaixo.