domingo, 19 de agosto de 2012

Olhar interior


Um dia desses, a senhora da limpeza se aproximou humildemente e travamos esse insólito diálogo:
- “Seu” Sérgio, eu queria agradecer ao senhor...
- Por que, Elza?
- Porque o senhor conversa comigo.
- Ah, legal. Então, muito obrigado também, pois você também conversa comigo!
- O senhor não entendeu...
- Claro que entendi, por isso estou agradecendo também...
- É que, pra maioria das pessoas, a gente é invisível e, às vezes, se eu não saio do meio, o povo passa até por cima de mim...

Isso não é novidade. Já saiu na mídia uma pesquisa em que um estudioso se fantasiou de gari e relatou uma situação semelhante. Mas presenciar isso pessoalmente me marcou. É a crua constatação de que cada vez mais nos prendemos a estereótipos, consideramo-nos diferenciados ante os mais humildes. Isso pode ser explícito, como a humilhação de um manobrista por um médico, a que presenciei recentemente em uma festa, ou implícita, sutil, como o caso da minha amiga da limpeza.

Esses fatos retratam a nossa incapacidade cada vez maior de encarar a vida com simplicidade, de dar valor às coisas realmente importantes, de colocarmo-nos na situação do outro, de olharmos para as nossas atitudes de forma isenta e serena.

É o tal negócio: a ignorância é o segredo da felicidade; o conhecimento, do tormento. 

Melhor não pensar demais nessas coisas...     

6 comentários:

  1. Gostei...sempre é bom saber que ainda tem gente que não se acostuma - e tomara que nunca o faça - com certas atitudes que aos olhos de muitos são perfeitamente normais.

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    1. Lauri,
      Obrigado por prestigiar o blog e pela sensibilidade do seu comentário.
      Beijo.

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  2. É,conhecemos a história do universitário que foi fazer seu TCC e se vestiu de gari na USP. Infelizmente, a sociedade é isso mesmo: materialista em todos os sentidos... E, qdo falamos de forma abrangente, "sociedade", obviamente, falamos referindo-se à gde maioria.Isso é muito triste! E essa mesma sociedade grita por justiça, paz etc etc, enquanto ela própria gera a violência, através de suas mais diversas formas e atitudes - bem como pela falta de outras. Até mesmo se alguém tem um(a) companheiro(a), seja cônjuge, namorado(a)é tratada de maneira diferenciada. E por aí vai... Será que a carne desses não vão apodrecer, tbém? Necessário nos é colocar que, tbém, muitos que exercem profissões "humildes" agem de forma similar.

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    1. MM,
      Obrigado pelo comentário.
      Acho que o mundo está precisando mais do que nunca de empatia.
      Abraço.

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  3. Sergio, a atitude das pessoas de “invisibilização” dos outros, em especial dos que se encontram de situações de vulnerabilidade, também me incomoda. Vivemos em uma sociedade egoísta e insensível. Trabalhei num projeto com pessoas em situação de rua e usuários de álcool e outras drogas, acompanhei a história de muitos, a invisibilidade dirigida a eles os distancia ainda mais de possibilidades positivas na vida. Isso é muito cruel!
    Por outro lado, tem o “nosso” sofrimento de ver e não “poder” fazer nada, às vezes é mais fácil sair de um restaurante, onde acabou de se comer muito bem, e fingir que não se está vendo, por exemplo, jovens pedindo um trocado. Neste caso o olhar de invisibilidade que adotamos nos “protege”, nos engana, nos distancia desta realidade, mas não diminui nossa responsabilidade.
    Tenho muito a falar sobre este tema! bj

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  4. Miriam, excelente e de muita sensibilidade seu comentário. Obrigado mais uma vez. Abraço.

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