quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Comer, Rezar, Corromper

Lá pela década de 80, aos 17 anos de idade, ainda morando em Fortaleza, meu irmão publicitário me arrumou um estágio numa estação de TV. Passei uns cinco anos nessa área.

No início, fazia edição eletrônica de matérias jornalísticas. Depois, trabalhei numa agência de propaganda, dirigindo comerciais para televisão.

Nessa época, surgiu a oportunidade de estudar cinema em Cuba, na universidade San Antonio de Los Baños. Foi quando me vi numa encruzilhada profissional.

Como quem tem tem medo, e ciente da minha total falta de talento, achei que passar dois anos comendo arroz com banana no Caribe não me traria grandes benefícios. Resultado: ao invés de embarcar na Cubana de Aviación rumo a Havana, acabei mesmo foi num busão da Itapemirim a caminho do sertão pernambucano. O mundo pode ter perdido um futuro Tarantino, mas a agência do BB no alto Pajeú ganhou o escriturário que procurava há meses.

Bom, mas porque estou contando tudo isso? Porque cinema continua sendo uma das minhas paixões.

Pra mim, um bom filme pode ser um Eisenstein do inicio do século XX, um clássico de Bergman, um Almodóvar, um Dogma 95, ou até mesmo um enlatado americano.

Depois do incêndio no Cine Academia, Brasília ficou meio restrita ao circuito comercial. De qualquer forma, tentei garimpar alguma coisa pelos shoppings da cidade. Apesar das referências pouco animadoras, fui ver Comer, Rezar, Amar. Só não vou dizer que meus piores pesadelos se confirmaram porque, para quem teve uma semana difícil, a película nos induz a um sono tranquilo e reparador.

Cheio de lugares-comuns, não adianta esperar que em algum momento surja algo que tire a história do previsível desfecho entre a chatíssima Julia Roberts e seu par, o excelente Javier Bardem e sua tripla nacionalidade: espanhol, brasileira e... paraguaia. Sim, porque seu personagem tupiniquim se mostrou mais falsificado que os DVDs à venda nos barzinhos candangos.

Mas é como diz aquele ditado impublicável: gosto todo mundo tem um, porque vários conhecidos adoraram aquela porcaria...

Decepcionado com essa primeira experiência, só encarei o segundo desafio porque havia prometido ao meu filho que o levaria para disputar à tapa, com centenas de cinéfilos ensandecidos, dois lugares na semana de estreia de Tropa de Elite 2.

E não é que valeu à pena? Eu havia gostado do primeiro, mas, como é de praxe, imaginava que a continuação seria apenas uma forma da dupla Padilha/Moura aproveitar o sucesso inicial para ganhar mais uns trocados.

Como diretor, José Padilha amadureceu. Em determinados momentos, a sensação de se tratar de um documentário é tão forte que fiquei imaginando o impacto do filme sobre o resultado das urnas no Rio de Janeiro, caso seu lançamento tivesse ocorrido antes do primeiro turno das eleições.

Falar sobre corrupção, de tão banal, tornou-se algo extremamente chato. O alvo óbvio são os políticos. Mas Padilha parece ter encontrado a fórmula – e aí reside um dos pontos fortes do filme – de demonstrar a corrupção congênita do ser humano, que se faz presente em todas as esferas da sociedade: na política, no trabalho, e mesmo nos círculos de amizade.

O que chega a causar náusea em determinados momentos é a percepção de que a estrutura da bandidagem se mostra muito mais abrangente do que a imaginada inicialmente. Suas formas de intimidação algumas vezes são sutis, mas geralmente são explícitas, ameaçadoras, o que leva a maioria das pessoas, mesmo as bem-intencionadas, à atitude mais prudente: a omissão. Algumas passagens do filme reafirmam isso, como, por exemplo, no marcante desfecho da reintegração do capitão André Matias ao BOPE.

No nosso dia-a-dia, invariavelmente, em algum momento nos deparamos com algum tipo de picaretagem. E a tendência é nos acomodarmos. É muito mais seguro. No máximo, fazemos um ou outro comentário com alguém mais próximo. Mas acredito que, de alguma forma, sempre há algo a ser feito. E é aí que devemos atuar. É a tal história: adoramos falar da dívida externa do país, mas não gostamos de comentar a conta que penduramos na padaria da esquina (se Brasília tivesse esquinas, claro).

Quem sabe, se houver mais indignação, se determinadas práticas forem menos aceitas, se formos menos permissivos no nosso cotidiano, talvez pequenas mudanças comecem a ocorrer e se transformem em algo maior. Quem sabe, o surrado bordão do primeiro Tropa - “Pede, para sair!! Pede para sair!!” - pode se tornar um grande coro nacional.

Pra terminar num clima mais light, tirando um pouco o tom amargo que tomou conta de mim na elaboração desse texto, lembrei de um fato pitoresco da minha fase pré-BB: na campanha política de 1986 (é, estou ficando velho…), um amigo – o publicitário paranaense Carlos Deyró – recebeu a encomenda de um jingle para um candidato (por sinal, corrupto até a alma, vim saber depois) e ele se dizia sem inspiração para compor. A música que enchia o saco na época era He-Man (coisas da Xuxa, isso há um quarto de século atrás!). Peguei um bloquinho de anotações, comecei a rabiscar uns chavões e, em menos de cinco minutos, tinha uma página inteira de bobagens escritas. De brincadeira, falei:

– Tá pronto!

Não é que ele levou a sério? Foi o primeiro free lancer da minha vida.

Essa semana, num happy hour da equipe, a pedidos, dei uma canja pra galera:

– “... Eu tenho a força, sou eleitooor, vamos amigos, em (nome omitido por razões óbvias) vamos votar!”…

Ganhei vários chopes, sob a promessa de nunca mais abrir a boca pra cantar aquilo...

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